quinta-feira, novembro 26, 2009

Blog da Flip

Bom, já postei esse texto aqui, uma vez, mas fiquei contente de ver que o pessoal da Flip deu uma assinada embaixo: http://www.flip.org.br/blog_2009.php

quinta-feira, setembro 10, 2009

Cadeiras

Não tenho certeza, mas, dependendo do que estivesse em jogo, obviamente, apostaria que as cadeiras, a exemplo das paredes (que, certamente, escutam) registram, como um gravador mudo, o que sobre elas é dito. E já que a palavra “sobre” dá margem a duas interpretações, explico: não guardam frases com o tema “cadeira”, mas o que é sugerido, arfado, suspirado, gemido ou gritado quando nelas sentamos.

Daí aquele pó que de algumas se desprende e que muitos desavisados confundem com a ação dos cupins, não percebendo as pobres se remoendo em culpa. Daí, também, o incomodo choque que, anos depois, alguns torturados levam quando, coincidentemente, sentam nestas que serviram de apoio à covardia.

Já disse que não tenho certeza, mas é provável que este também seja o motivo pelo qual, tentando exorcizar a angústia, resolvi escrever isto que você provavelmente não lerá porque foi desta cadeira que assisti, sem me mexer, como se eu fosse a própria cadeira, você batendo a porta, daquela vez pela última.

terça-feira, julho 14, 2009

Tempo

Há que se esperar amadurecerem as uvas e o tempo agir no barril, disse, derramando o vinho no umbigo da mulher que conheceu ainda menina.

terça-feira, julho 07, 2009

Pedra (FLIP 2009)

Estão aqui, bem aqui, todas as pedras. A que atirei, de bodoque, aleijando o passarinho, aos nove. A que arremessei com êxito na vidraça do vizinho (e culpei a bola), aos treze. A que atingiu em cheio o supercílio do policial naquela manifestação em prol não sei de quê, aos dezessete. A pontuda que deixei estrategicamente embaixo do pneu do vizinho, aos trinta. A pedra grave, pesada, que pus em cima do assunto que Ela preferia manter em aberto, aos quarenta. E inclusive esta, fria, rígida, e que amanhã não comemora quarenta e um.

segunda-feira, julho 06, 2009

Joel Santana pergunta:

Marcos, did you FLIP a soccer?

Bibo no meio de campo!!!

Futebol é assim mesmo...um dia vc está na área, outros na defesa, meio de campo...ou como disse Joel Santana(um poeta inglês que se interessa bastante por futebol): "-in de midiu"(veja o video)
http://www.youtube.com/watch?v=iewQ45wJ7JA&feature=related

E como hoje é dia de ensaio...ensaio "rima" com cachaça e cachaça, com peladinha com amigos(não necessariamente nessa ordem), preciso confessar que estou teclando e amarrando a chuteira ao mesmo tempo.

É impressionante como a nossa relação com a cachaça dificulta o futebol arte!
semana passada joguei mal demais...cansei rápido...fui motivo de reclamaçnoes e piadas durante a pelada...e olha que eu só viria a beber duas horas depois, no bar, antes do ensaio.

Hoje farei diferente: Beberei antes do jogo e tomarei um gatorade durante o ensaio....depois conto como foi.
    PENAMENTO DO DIA: Mudar as coisas faz bem!
    DÚVIDA DO DIA: A ordem dos fatores altera o produto?

    CURIOSIDADE DO DIA: Charles Muller, um inglês(como Joel Santana) que diz ter inventado o futebol, certa vez disse: "-Futebol é a diversão do povo!!!"
                Garrincha disse:"-Futebol é a cachaça do povo!!!"
                Maradona disse:"-Sou viciado em futebol!!!"      
Padre Fábio de Melo citou Gênesis:"-Maradona, do pó vieste, ao pó voltarás!!!"    
A cantora de axé evangélico, Jake, quando soube que Padre Fábio de Melo havia comentado o assunto, também quis se pronunciar dizendo(ou cantando):"-Pó parar com o pó!!!"
http://www.youtube.com/watch?v=op3HZtYb4oo
               
               Zagallo disse(gritando):"-MANÉ SAGAZ É BOM tem 13 letras!!!"



segunda-feira, junho 22, 2009

sexta-feira, junho 19, 2009

Pontadas (Microcômicas MX)

Acordou preocupado, com pontadas no peito, até que a mulher contou que ele dormiu de bruços, tranqüilizando o faquir.

terça-feira, junho 16, 2009

Criador (Microcômicas MV)

Soprava as bolas de sabão como quem cria um universo e eliminava-as alegremente, com o dedo, como quem o destrói.

sexta-feira, junho 12, 2009

Convidados na Casa Rosa

Fizemos recentemente um show ali na Casa Rosa que foi um tanto quanto surpreendente. Não porque estava bem cheio, animado, aconchegante, cheio de gente bonita (além de tudo de bom), mas porque tivemos convidados muito especiais. Já tivemos outros incríveis antes, como o Rodrigo Maranhão (aquele que a Maria Rita gravou duas vezes), e que foram muito especiais também, mas acredito que dessa vez foi diferente. Tanto o André Ramiro (o Mathias de Tropa de Elite) quanto o João Sabiá (o Marcos de Paraíso), que são nossos amigos de outras datas, estavam muito inspirados e deram ao nosso show um brilho extra, uma luz diferente à nossa festa. Se a bagunça já estava pra lá de animada nos ensaios, naquela noite então nem se fala. Quem esteve lá é testemunha.

Bem, pra quem não estava lá, uma surpresinha!!!:







Sugestão: aumenta o som e maximiza a tela! Abraços!

Auto-Estima 2 (Microcômicas MIV)

Por levantar a cabeça após a depressão, viu, por cima da cerca, a esposa com o vizinho e, porque ela não mudou, nem ele: deprimiu novamente.

quinta-feira, junho 11, 2009

Auto-Estima (Microcômicas MIII)

A menina feia foi atingida (sem querer?) pela flecha do cupido quando olhou-se no espelho e agora todos os meninos a desejam.

terça-feira, junho 09, 2009

Bibo na área

Bom dia, rapaziada!!!
Agora, além do meu irmão Marcos Bassini, todo o Mané Sagaz - e eu também, Bibo Bassini - passa a postar pensamentos, poemas, versos e até mesmo novas gírias, palavrões, filosofias de boteco(essses sim, acho que serão mais frequentes).
 Também penso em inaugarar uma sessão chamada DICA DO DIA...

...e a DICA DO DIA é: Beba duas doses de Salinas essa noite! Beba por mim, pois estou tomando um remédio que me impossibilita de te acompanhar.

Bibo Bassini é percussionista do Mané Sagaz, ex-futuro craque de futebol (ainda me resta um tantinho de habilidade), ex-futuro jogador de tênis (não me resta nenhum tantinho de habilidade), ex-galã, ex-aluno de colégio de padre, ex-aluno de colégio de freira, ex-aluno de colégios "pagou-passou", ex-aluno de colégio metodista, ...

A preguiça que sinto nesse momento me faz escrever também um PENSAMENTO DO DIA:
"Não deixe pra hoje algo que você pode fazer amanhã".

Até mais...acho que vou deitar um pouquinho...

segunda-feira, junho 08, 2009

Chuva (Microcômicas M)

Disse adeus sob a chuva, as gotas escorrendo pelo rosto, e até hoje não se sabe: para disfarçar as lágrimas ou a indiferença?

terça-feira, maio 26, 2009

quarta-feira, maio 20, 2009

quarta-feira, maio 13, 2009

Embarcações (Phármakon, Livro II, Capítulo V)

I
O dragão bafeja o vapor amargo sobre roldanas de ossos e músculos. Mãos frágeis frustram-se ao retesar a corrente sem elos. Há que se merecer o pão que sustente o flagelo. O uivo alerta para a chegada do novo apocalipse (Hora de morrer, ele avisa, indiferente ao cego que tateia paredes em brasa para fugir do inferno). Cárie exposta. Fratura. Pergaminho da pele amarelecida por traças e fungos. Água manipulando o bisturi que degola a órbita. Um prisioneiro grita, apontando o fogo para a indiferente cumplicidade dos sociopatas. Para que, se é o cheiro da carne que os apetece? Presenteemo-los, os sádicos, com o nosso calar. Coloquemo-los de joelhos implorando nossa angústia. Ergamos um sonoro silêncio prostrados na brasa fumegante e jamais nos chamarão novamente para o combate. Mas somos fracos: sorrimos. E eles sabem que este é o nosso maior disfarce.

As hordas passam aflitas, carregando pedras que não lhes pertencem, atirando-se ao chão pela migalha que não apetece, orgulhosíssimas de se verem chamadas de séqüito. Não convidemos os canibais para o banquete se não quisermos, como bons anfitriões, mergulhar na sopa.

Mas o conclave me atira ao fogo antes mesmo da convocação. Não há que se inquirir, antes do veredicto? Não há que se fazer o hediondo, antes do processo? Em meio à palha em chamas suplico para uma platéia adormecida: água. E para minha surpresa, é exatamente isto que me oferecem: água. Agradeço-lhes, alivio-me com o copo e só então percebo a armadilha. A dor é maior quando lembramo-nos de quando ela não existia.

A engrenagem exige a sincronia dos membros, mas como remar se roubaste-me os braços? A indignação dos companheiros com a súbita atrofia, entretanto, não supera a de Tritão. Atira-me, caolho, um peixe-espada, como quem despreza um dardo mirando-me a testa. Resultado: 50 pontos. Resgatar os membros ou as faculdades? O que é mais importante: a força ou a lucidez? Mas como decidir, com o pensamento atravessado pela lança que se debate, sufocada pelo meu sangue?

Os caramujos esmigalhados pela sola escorregadia formam garranchos irreconhecíveis no convés. Tento interpretar as manchas como um experimentado copromanta. Em vão. Sou como uma criança olhando para o céu e descobrindo que nunca houve lá em cima dragões, rostos e trens a vapor, apenas nuvens. Resta-me apenas aguardar a chegada da cigana, sabendo que nenhuma revelação indicará o fim do labirinto insondável. Aquela que deflorará o oculto expelindo à fórceps o significado da borra é a mesma que esculpiu em segredo a mensagem dentro da xícara.

II
Em meio à viagem em que o único murmúrio é o do remo afagando a pele do lago, o condutor estende-me a falange marmórea, esperando que esta reluza, também, com a minha moeda mas não tenho bolsos costurados à nudez. Vendado com o breu sou levado à prancha e despeço-me sem que me retribuam o aceno. Sou desprezado até mesmo pela morte.

III
A dor é a de um navio-fantasma que afunda depois de anos errando pelo oceano. Não há rocha que justifique o naufrágio. Não há ninguém para acompanhá-lo em sua última jornada.

segunda-feira, maio 11, 2009

quinta-feira, maio 07, 2009

quarta-feira, abril 22, 2009

Borges (Microcômicas L)

Postou-se entre dois espelhos para, mesmo após a morte, possuir um reflexo observando-se intacto no infinito.

quinta-feira, abril 16, 2009

Para Abrir os Olhos (Dicas e Truques Para Abrir e Fechar os Olhos, cap. 1)

Antes de abrir os olhos é importante, e tão importante que repito, antes de abrir os olhos é importante, apalpando ao redor, analisar se não há migalhas de sonhos em tua cama, banco de praça, sarjeta ou onde quer que você tenha escolhido, ainda que involuntariamente, passar a noite (ou o dia, caso a noite lhe seja por demais sombria para ser desafiada de olhos fechados), porque o grande risco de se abrir os olhos e encontrar um rabo de sonho, ainda que escapulindo dela, passeando pela tua realidade, é que isso pode escancarar uma porta irreversível. Portanto, antes de assumirmos o fim do idílio ou do lúgubre que foi nosso onírico particular, antes de desatarmos nossas pálpebras e limparmos a poeira da solda dos cantos, devemos seguir alguns passos fundamentais.

Mas, antes, também, não esqueça que a tua realidade influencia a dos outros (com o inverso não é diferente, mas quanto a isso você nada pode fazer) e por isso não leia esta e as próximas páginas distraidamente, repetindo o que é de costume quando tem nas mãos aqueles manuais que folheia pensando na grama que deve cortar no dia seguinte ou no perdão que deveria ter implorado há tantos anos. Leia com atenção, sem preocupar-se como o excesso dela, como se você fosse, num submarino, o responsável pelo fechamento hermético da escotilha antes da submersão.

Foi sonho ou pesadelo?, é a primeira - e única - pergunta que você deve se fazer, mas esta não é uma resposta simples porque um tema ou emoção, analisados isoladamente, podem suscitar interpretações equivocadas. Uma onda gigante, a título de exemplo, jamais seria para um surfista o desespero que significa para o sobrevivente de um naufrágio. Da mesma forma, a alegria de reencontrar quem nos estufa de saudade pode ser considerada um pesadelo se, no último encontro (quando, mesmo acordados, despertamos), descobrimos naquela pessoa um monstro.

Foi sonho?, não se preocupe, basta incutir em si, ainda que um milésimo de segundo, antes da lucidez, a idéia de que está sendo acordado pela música aguda no rádio longínquo, pela pamonha oferecida, seduzindo a sua fome pelo carro de som, pelo despertador indecoroso, pelo telefonema irresponsável, pelo frio, pelo calor ou até mesmo pelo puro e simples fim do sono, que jamais aconteceria, mas ninguém precisa saber, se um de nossos sentidos não fosse devidamente cutucado. Assim, a realidade é que entrará em seu sonho e jamais o contrário

Foi pesadelo?, acorde bem devagar, de preferência leve um minuto (suponha os segundos, apenas, jamais procure o relógio) antes de abrir os olhos assustado com aquilo que viu, presenciou ou pressentiu que aconteceria, senão você até se imaginará desperto, mas a verdade é que estará definitivamente agrilhoado àquele pesadelo, tomando o seu lugar, na sua antiga, doce, despreocupada e maternal realidade, aquele ou aquilo que se refestelou assistindo à sua angústia e que você só não reparou a gargalhada porque estava ocupado demais sentindo medo.

Se você estiver pensando agora que a sua realidade está muito distante de ser digna dos melhores sonhos, destituída das qualidades que expus há pouco, meus sinceros sentimentos. Talvez você não tenha parado para refletir que está lendo isto aqui depois, talvez bastante depois, de um dia ter acordado sobressaltado, esbugalhando os olhos num átimo para tentar escapar, em vão, daquele primeiro pesadelo onde até hoje mora.

quarta-feira, abril 15, 2009

Amnésia (Microcômicas XL)

Era um homem feliz: levaria 6 minutos para perceber que sua memória armazenava apenas os últimos 5.

segunda-feira, abril 13, 2009

Deus Ex Machina (Microcômicas XXXVIII)

Quando, o planeta já povoado por máquinas, elas perguntarem-se o que é Deus, herdarão nossa resposta automática: uma Energia.

quinta-feira, abril 09, 2009

Saudade (Microcômicas XXXV)

Jamais te esquecerei, disse, enxugando as lágrimas do rosto, derramadas pelo rapaz que não lhe era estranho.

quarta-feira, abril 08, 2009

sexta-feira, abril 03, 2009

Madame B. (VI)

De pequena já era distraída, dizia Madame B. Certa vez, para impedir meus pensamentos de acompanharem a mosca que passava ou de grudarem na parede descascada ou de fugirem com o latido do quintal vizinho, tapei-me com um cobertor, transformando-me numa barraca, não deixando espaço para que a escuridão saísse. Aqui (pensava eu) não tenho inseto que me acompanhe nem parede que me convide nem barulho que se intrometa. Mas fracassei: sempre esquecia de levar os pensamentos para debaixo do cobertor, comigo.

Madame B. (VII)

Depois de perguntar em vão, à mãe, o porquê da cor do céu, da distância do infinito, da fagulha das estrelas, do tamanho da hora, da guerra e outros porquês que também não sei explicar, finalmente a criança obteve uma resposta: um tapa.

Não é assim que se trata uma criança, afirmou Madame B.

Como se atreve, alguém que não tem filhos, a fazer este comentário?

Respondeu Madame B.: E como se atreve então, a senhora, a fazer perguntas?

Madame B. (VIII)

No Natal era assim, segundo Madame B.: passava distraída, observando a alegria da festa, enquanto presentes eram colocados na sua mão. Vendo que ela não abria uma caixa, o parente perguntou: Não queres saber o que existe lá dentro?

A menina quis responder isso: Sou metódica. Procuro descobrir, primeiro, o que há fora dela.

quinta-feira, abril 02, 2009

Madame B. (I)

Madame B. contava que, ao nascer, antes mesmo da palmada do médico, chorou. Desde muito nova Madame B. não suportava a injustiça.

Madame B. (II)

Jurando que jamais contaria o segredo de Madame B., caso ela lhe explicasse porque nunca fora vista longe da rua em que morava (e que era, não por acaso, a mesma da mercearia, da escola, da igreja, da biblioteca e da rinha de galos), o rapaz ouviu a explicação: Uma moeda, quando roda, dá a impressão de ser uma bola maciça. O mundo e todas as coisas que parecem uma esfera são na verdade, a meu ver, como uma moeda. Pequena, se uma bolinha. Gigantesca, no caso do planeta. A minha rua é exatamente a borda lateral, achatada, desta moeda. E se dela me desviar, fatalmente cairei.

O rapaz perguntou, com uma sobrancelha levantada e a outra em repouso: E como a senhora explica as pessoas que não despencam quando se afastam da sua rua?

Elas não têm medo de errar (Madame B. disse e piscou um olho).

Da hora seguinte em diante, e até hoje, o rapaz jamais foi visto. Alguns dizem que, na noite anterior ao dia em que ele não mais foi encontrado, ouviram um grito forte que, aos poucos, tornou-se agudo e longínquo, como se alguém caísse num precipício.

Madame B. (III)

Carta do leitor: Madame B., meu nome é Y. e sou obrigado a concordar com outros leitores, tão decepcionados quanto: como alguém que nos serve de exemplo pode chamar de sua uma rua que contém rinha de galos, dando-nos a entender algo que me recuso a?

Resposta de Madame B.: Caro senhor Y., que isto, sim, lhe sirva de exemplo: qual a vantagem de se proclamar destituído de vícios quem não confronta a vontade de?

quarta-feira, abril 01, 2009

terça-feira, março 31, 2009

segunda-feira, março 30, 2009

sexta-feira, março 27, 2009

segunda-feira, março 16, 2009

O Defeito (Microcômicas I)

Encontrou, finalmente, depois de uma vida percebendo apenas o defeito dos outros: Este é o meu.

O Autor

Pouco antes de ocorrer ao co-autor deste texto (sempre existe algo, em qualquer texto que daqui ditamos, que também pertence a quem apenas transcreve) a ideia de escrever uma história em que participasse apenas como servo, obediente ao criador original desta que seria narrada por algo ou alguém (um espírito, uma consciência, uma coisa que não se saberia bem definir: apenas se saberia que não era a narração em primeira pessoa daquele que apenas rabiscava), decidi que já seria hora de revelar o que aconteceu comigo neste lugar que você, leitor, não vê, mas de certa forma, sem compreender bem por qual motivo, receia que exista.

A verdade é que, ao contrário do que se imagina (que estar em todos os lugares, escutar todas as histórias ou viajar pelas mais diversas datas relembrando os costumes de todas as eras, que estas possibilidades seriam fascinantes e uma grande conquista para os que pudessem realizá-las), esta onisciência é extremamente enfadonha.

Para começar: não há assunto entre nós quando deixamos de ser o que vocês são: se tudo que queremos saber (e quanto mais o tempo passa, menos coisas nos interessam) pode ser conferido sem a informação do outro e se nada do que sabemos precisa ser repassado a ninguém, nenhum vínculo de amizade ou afeto é criado aqui.

O sexo, não é necessário dizer, tão divertido para vocês que possuem um corpo físico, perde completamente o encanto quando se é isto que agora somos, isto que, se eu tentasse explicar, por mais que esta narrativa se alongasse, tornando-se detalhada e prolixa, não seria seria compreendido por você que ainda está preso à carne.

E antes que se amplie a ansiedade que normalmente se instaura sobre os que, presos ao risível enigma do tempo, estes que ainda não descobriram o quão ínfimo é o tal do infinito nem caíram nas garras desta prisão que me encontro, revelarei imediatamente o motivo desta minha indiscreta chegada.

A verdade é que estou cansado e não quero mais sua atenção apenas quando emito um barulho de prato quebrando, retiro a tomada da geladeira, risco do mapa uma caneta em pleno uso, sopro uma palavra inaudível em seu ouvido ou me solidifico por uma pálida fração de segundo. Quero sua atenção imediata e constante. Quero ser tratado como um ente querido. Não aquele que se foi e não mais está aqui, próximo a você, já que os laços que nos unem, nós a vocês, são bem diferentes daqueles que aproximam uma família. Quero, a partir de já, que você fale com a certeza de que está sendo ouvido, que me peça opinião sabendo que o instinto que lhe indicará o caminho é a minha resposta e que, sobretudo, jamais se sinta sozinho. Porque, era isto que eu precisava e queria falar, a sua solidão é a causadora única da minha. E quando se sente sem ninguém ou espera angustiado uma resposta que não chega ou se desespera com a saudade de quem não voltará, você solidifica a minha desimportância e, assim, deflagra meu próprio abandono ao explicitar que, na minha solitária invisibilidade, não tive a competência de lhe fazer sentir-se amparado.

Por isso este desabafo, adotando respeitosamente o talento deste que faz chegar o texto até você. Não considere isto aqui um simples conto, por favor. Ele é, na verdade, um sinalizador, um rabo abanando, uma lágrima falsamente escondida, um choro agudo que uma cantiga não aplaca, uma queda que não é precedida pelo desequilíbrio, uma urina incontinente numa colorida calça de festa, um cigarro que se acende controlando a tosse para se fazer de adulto, um laço de fita que se adorna para se fantasiar de mais nova, ele é, enfim, uma forma de implorar que daqui a algumas linhas, logo ali na conclusão, você aplaque esta minha sensação de que não sou ninguém, prometendo para si mesmo que jamais novamente ou alguma vez em toda sua vida se sentirá tão sozinho quanto estou agora.


Desculpe-me, esqueci de me apresentar: sou este mesmo que sentou, escreveu e divulgará este texto. Mas com uma diferença: sou ele daqui a algum tempo, num futuro cuja proximidade, porque ninguém está preparado para saber, não nos é permitido informar.

quarta-feira, março 04, 2009

O Astrônomo

No observatório, tão antigo e obscurecido pelo imponente planetário da cidade que o último visitante já nem se lembra de que ali esteve, o velho astrônomo transforma-se no próprio olhar e passeia pelo universo. Íntimo do céu e das constelações, habituado à escuridão salpicada de faíscas, dependente daquele silêncio infinito como a sua barba branca, o cientista, em vez da velha cadeira (aquela ali, ressonando no canto sem ângulos da circular construção) passa seus dias, cada um mais derradeiro que outro, apenas confirmando a posição das milhares de estrelas que já conhece de cor, instalado no conforto de sua cama.

Ele não nos revela, até porque nem sabe que neste momento, em vez de observador, ele é o observado, mas tem uma grande frustração: apesar de receber diversas homenagens, todas merecidíssimas, pelos serviços prestados à ciência, especialmente por transformar jovens talentos em gênios da astronomia, jamais em toda sua vasta trajetória descobriu um astro, um planetóide, um simples satélite sequer. Até agora. Porque, não conte a ninguém para não estragar a surpresa, em questão de segundos ele largará o copo d´água (que, por sorte, já estará vazio e ainda pousará suavemente no travesseiro), deixará cair uma lágrima (a primeira em muitos anos, desde que se tornou viúvo) e ligará para seus colegas: Descobri uma estrela!

Acabou de acontecer, repare. Como eu disse, o copo acaba de cair (e, da mesma forma, seu queixo).

Menos de uma hora se passou entre o parágrafo de cima e este e, veja, o local já está lotado. Imprensa, alunos, colegas e toda a comunidade científica se aperta dentro deste pequeno observatório, felizes com a alegria do velho mestre (só não dão graças a Deus porque são cientistas demais para isso) e querendo todos ao mesmo tempo olhar pelo telescópio para admirar a pequena descoberta tão emocionadamente anunciada pelo ancião.

Mais eis que o primeiro a encaixar o olho no telescópio não consegue manter o sorriso no rosto, pede desculpas, diz que precisa trocar os óculos e repassa o lugar a outro, alegando que não consegue encontrar aquilo que foi buscar. Com o segundo da fila acontece o mesmo e assim por diante, cada um trazendo um problema que vai desde o aumento súbito do grau da miopia até uma nuvem sorrateira que surge no exato momento em que tentam observar. O último dos presentes a procurar a estrela é exatamente nosso protagonista, o velho cientista, que só não deixa cair um copo porque, nervoso com o que está acontecendo, desta vez nem consegue lembrar-se de tem a boca seca: não há estrela alguma ali.

Já se passou algum tempo desde que o observatório voltou a ficar vazio e o velho astrônomo dorme profundamente. Talvez este seja o seu sono derradeiro. Ou talvez não, porque não vale a pena tornar ainda mais trágica uma história que começa tão promissora e termina tão triste. Mas uma coisa é fato, apesar de nenhum daqueles que observou o céu esta noite ter percebido, e nem os que observarão a partir de amanhã conseguirão reparar: ali, com o tamanho e no lugar exato onde deveria estar a estrela tão aguardada, aquele pontinho de céu ficou definitivamente mais escuro.

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Pílula

A propaganda do seu medicamento, uma pílula milagrosa, foi o boca a boca e isso bastou para que uma grande fila se formasse à porta de sua pequena farmácia: a promessa de uma cor de 2 horas debaixo do sol com apenas 2 minutos de exposição.

Só que, ao contrário do esperado, em vez de dar um tom mais escuro à pele de quem ingeria a tal pílula, eis que as pessoas engordavam. Quando nova fila se formou, agora para devolver o produto, aparece o farmacêutico com a explicação: Ora, se o prometido era que o cliente ficaria mais bronzeado, não é isso que acontece quando o indivíduo expõe mais massa aos raios solares?

Todos voltaram para casa, envergonhados. O péssimo farmacêutico era um excelente filósofo.

A Cidade Triste

O forasteiro que chegou plantando flores pela Cidade Triste percebeu que elas sempre eram arrancadas mas não se intimidou: mesmo sabendo que, chegada a noite, ela já não estaria mais ali, na manhã seguinte colocava outra flor igual e no mesmo lugar da anterior.

Até que um dia, sem avisar, em vez de flores plantou ervas-daninhas e desapareceu.

Desavisadas, as pessoas começaram a arrancá-las e continuaram arrancando as ervas-daninhas até transformar aquela Cidade Triste num lugar muito, muito feliz.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Horizonte

Saiu com seu pequeno barco (Enrolando-a qual novelo, deve caber aqui) e a determinação de presentear a linha do horizonte à amada. Enfrentou todo tipo de ondas e tempestades, inofensivas diante da certeza irrevogável de que aquele seria o presente perfeito (Quantos sóis não estarão guardados dentro dela?) para aquela que sabia transformar as poucas horas juntos - observando o sol se deixar ser devorado, levando consigo o dia - nas melhores de sua vida.

Voltou ao amanhecer, desolado. Não encontrou nenhuma linha no horizonte: Quando lá cheguei já era noite e esqueci-me da lanterna.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Queixa

Ela me persegue, delegado. Onde quer que eu vá, se ela já não está lá é porque já vai chegar. Estou com medo e por isso vim. É perigosa, me alertaram, mas não dei ouvidos, como todo apaixonado. Estou decidido: quero dar queixa. Hoje foi o meu limite. Acordei e mais uma vez ela estava ali. E não saiu para que eu tomasse banho – veja meu estado – para que eu pudesse trabalhar – fui demitido – e nem para que eu almoçasse – sentou em cima da mesa, um vexame – até eu perder a paciência e vir aqui. Desde quando isso acontece? Desde que ela partiu, delegado, para nunca mais voltar.

Sr. Pompílio

Começou como uma pequena verruga no pescoço aquela cabeça que uma semana depois tinha o mesmo tamanho da cabeça original do Sr. Pompílio. No ínício o Sr. Pompílio não se importou. Desde que sua mulher morrera, 10 anos antes, não tinha mais com quem conversar e aquela cabeça nova foi uma excelente companhia. Exceto pelo fato de que, mais jovem, era uma cabeça que gostava da boemia e, mais forte, acabava levando o Sr. Pompílio, mesmo contra a vontade, para festas que varavam a madrugada e cansavam muito a cabeça original que, mais idosa, necessitava de mais descanso.

Um dia, exausto das farras da cabeça vizinha, o Sr. Pompílio decidiu elimina-la e deu um tiro na cabeça. Na outra, claro. A justiça entendeu como crime e não tentativa de suicídio, como alegaram os advogados de defesa, e o réu foi condenado à prisão perpétua.

O Sr. Pompílio não tem nenhuma reclamação da cama nem da comida da prisão. A única coisa que o incomoda é o mau cheiro que aquela caveira cisma em exalar durante a noite.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

O Pensamento

Dá uma preguiça, esse troço. Quando termina, só. Porque no começo é o contrário: tudo que a gente quer é dar procedimento.

É assim: a gente ta ali, cheio de vontade de não fazer nada, cheio de preguiça só de pensar em fazer alguma coisa, quando vem o pensamento. Pensamento não tem preguiça de nada, você sabe. Nenhum deles. Ficam ali, rondando, passeando em volta da gente, só olhando pra nossa fuça. De repente, quando a gente se distrai, dão um pulo e entram na cabeça. Aí é aquele rebuliço, aquela ventania que dá no pobre do cérebro, que numa hora tava ali tão cheio de preguiça quanto a gente e na outra, coitado, já ta rodopiando dentro da cachola.

E pensamento tem de todo tipo e tamanho, que nem verruga. Tem grande que a gente já acostumou, tem pequeno que incomoda mais porque é novidade, tem dolorido que volta não se sabe de onde, tem aquele que a gente só sabe que existe porque de vez em quando dá uma pontada e tem aquele que acaba com qualquer sossego e só faz a gente lembrar que tava com preguiça depois que volta para a prostração: é o cabeludo. Não tenho nada contra o pensamento cabeludo, quero deixar bem claro, mas essa leseira que dá depois, me mata. É daquelas que a gente pensa que nem toda a rede do mundo, balançando até o final dos tempos, vai dar jeito no cansaço.

Mas o depois é bom. Aquele adiante que fica no meio de uma preguiça e outra, quando a gente nem lembra que tava descansando e nem liga pro exausto que fica depois. É por isso que eu deixo meu corpo descansar, mas a cabeça não. Me confere: posso estar deitado, de olho fechado, de pé pra cima, que estou sempre matutando. Porque pensamento que a gente cria, não atrapalha. O problema é esse danado de pensamento que não é nosso e adora uma cabeça vazia. É como se ela fosse um descampado com duas árvores e uma rede pro corpo daquele pensamento descansar.

A Ponte

Um dia, um andarilho encontrou um velho que lhe disse:

- Em poucos minutos você irá passar por um cego que precisa da sua ajuda para seguir viagem. No caminho que ele precisa seguir, há um abismo à direita. Por favor, não o deixe se aproximar do abismo. E tampouco conte que este abismo existe, senão ele terá medo de continuar a viagem.

O andarilho aceitou o pedido do velho e em poucos minutos, ao encontrar este cego, deu-lhe a mão e os dois seguiram viagem.

Durante todo o trajeto, percebia que o cego oferecia resistência cada vez que tentava puxá-lo para a esquerda, a fim de se afastar-se da beira do abismo. Mas não disse nada. Receava que, ao fazê-lo, o cego, com medo, quisesse abdicar da sua viagem. E assim foram durante um longo tempo. Até que, num certo momento, o andarilho não resistiu e falou ao cego:

- Toda vez que tento me afastar para a esquerda, noto que você oferece uma resistência. Por quê? – perguntou tomando todo o cuidado para não citar o abismo.

- Um velho que encontrei no caminho me disse que você viria ao meu encontro - respondeu o cego - e me pediu para, na viagem que você precisava seguir, não deixá-lo se afastar para a esquerda. O curioso é que eu pensei que fosse o contrário: sempre que tento puxá-lo para a direita, sinto que você é quem oferece resistência.

De longe, o velho observava feliz que os dois cegos já estavam quase no final da ponte que cruzava o precipício.

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Phármakon (Livro I / Capítulo 1)

Um sonho apócrifo persegue-me: eis a razão do sal em meus olhos. E dos rios que obedecem aos sulcos da face oprimida, compondo uma geografia extensa e pálida. A verdade é que um deserto instalou-se nesta face imóvel, ainda que instável, anestesiada pelo aço primordial. Ao longe, um balido ininterrupto opõe-se a qualquer autismo pré-fabricado. Tambores marcam o tropel de cada imagem, todas um só cavalo. Mas não há monotonia. A agonia se renova e a cada instante se torna mais autêntica.

Chegaste-me morta, ainda em flor, esta é a verdade. E o cheiro doce, ainda que agradável, é reconhecido pela cicatriz como o de algo que não está, um perfume de ausência. No chão não existem pétalas. Não há resquício do outono. Minha pele, entretanto, entende o sopro seco e silencioso, anunciando o interlúdio.

Antes da história já existia a história. O destino, tão aclamado por seus braços onipotentes, não escapa daquilo que tentava camuflar, em vão, o acaso. A ferida sangra porque já foi um corte espesso. O corpo arqueja: antes do efeito, já reconhece o acre do veneno. A vaidade da lâmina, porém, não admite que o cadáver à mesa não é signo da bravura: já emitia o halo putrefeito muito antes do golpe.

Este é grande erro do alvo: pensar que suporta a última flecha, aquela que o destitui do cavalete e espalha os grãos frágeis que compunham a matéria sólida, incitadora de combates. Como, pergunto, se até a rocha é derrotada pela tenacidade da gota? (Este é grande erro do homem: pensar que suporta o último alvo).

A armadura avança inexorável e não conseguimos estancar seu ímpeto. Apontamos uma lança usando a solidez da terra como apoio, mas isso não modifica sua indiferença. Afiamos a ponta da haste, como se o carvão pudesse cumprir a ameaça da arma inquebrantável. Tolice. Num coração forjado a ódio não existe espaço para arrependimentos. Se o maior inimigo conhecesse o medo não se tornaria o algoz que é. Mas só adivinhamos o rosto atrás do metal quando deitamos na neve escarlate e notamos que a farpa não era fragmento da seta. É um caco desfigurado do espelho.