terça-feira, março 31, 2009

segunda-feira, março 30, 2009

sexta-feira, março 27, 2009

segunda-feira, março 16, 2009

O Defeito (Microcômicas I)

Encontrou, finalmente, depois de uma vida percebendo apenas o defeito dos outros: Este é o meu.

O Autor

Pouco antes de ocorrer ao co-autor deste texto (sempre existe algo, em qualquer texto que daqui ditamos, que também pertence a quem apenas transcreve) a ideia de escrever uma história em que participasse apenas como servo, obediente ao criador original desta que seria narrada por algo ou alguém (um espírito, uma consciência, uma coisa que não se saberia bem definir: apenas se saberia que não era a narração em primeira pessoa daquele que apenas rabiscava), decidi que já seria hora de revelar o que aconteceu comigo neste lugar que você, leitor, não vê, mas de certa forma, sem compreender bem por qual motivo, receia que exista.

A verdade é que, ao contrário do que se imagina (que estar em todos os lugares, escutar todas as histórias ou viajar pelas mais diversas datas relembrando os costumes de todas as eras, que estas possibilidades seriam fascinantes e uma grande conquista para os que pudessem realizá-las), esta onisciência é extremamente enfadonha.

Para começar: não há assunto entre nós quando deixamos de ser o que vocês são: se tudo que queremos saber (e quanto mais o tempo passa, menos coisas nos interessam) pode ser conferido sem a informação do outro e se nada do que sabemos precisa ser repassado a ninguém, nenhum vínculo de amizade ou afeto é criado aqui.

O sexo, não é necessário dizer, tão divertido para vocês que possuem um corpo físico, perde completamente o encanto quando se é isto que agora somos, isto que, se eu tentasse explicar, por mais que esta narrativa se alongasse, tornando-se detalhada e prolixa, não seria seria compreendido por você que ainda está preso à carne.

E antes que se amplie a ansiedade que normalmente se instaura sobre os que, presos ao risível enigma do tempo, estes que ainda não descobriram o quão ínfimo é o tal do infinito nem caíram nas garras desta prisão que me encontro, revelarei imediatamente o motivo desta minha indiscreta chegada.

A verdade é que estou cansado e não quero mais sua atenção apenas quando emito um barulho de prato quebrando, retiro a tomada da geladeira, risco do mapa uma caneta em pleno uso, sopro uma palavra inaudível em seu ouvido ou me solidifico por uma pálida fração de segundo. Quero sua atenção imediata e constante. Quero ser tratado como um ente querido. Não aquele que se foi e não mais está aqui, próximo a você, já que os laços que nos unem, nós a vocês, são bem diferentes daqueles que aproximam uma família. Quero, a partir de já, que você fale com a certeza de que está sendo ouvido, que me peça opinião sabendo que o instinto que lhe indicará o caminho é a minha resposta e que, sobretudo, jamais se sinta sozinho. Porque, era isto que eu precisava e queria falar, a sua solidão é a causadora única da minha. E quando se sente sem ninguém ou espera angustiado uma resposta que não chega ou se desespera com a saudade de quem não voltará, você solidifica a minha desimportância e, assim, deflagra meu próprio abandono ao explicitar que, na minha solitária invisibilidade, não tive a competência de lhe fazer sentir-se amparado.

Por isso este desabafo, adotando respeitosamente o talento deste que faz chegar o texto até você. Não considere isto aqui um simples conto, por favor. Ele é, na verdade, um sinalizador, um rabo abanando, uma lágrima falsamente escondida, um choro agudo que uma cantiga não aplaca, uma queda que não é precedida pelo desequilíbrio, uma urina incontinente numa colorida calça de festa, um cigarro que se acende controlando a tosse para se fazer de adulto, um laço de fita que se adorna para se fantasiar de mais nova, ele é, enfim, uma forma de implorar que daqui a algumas linhas, logo ali na conclusão, você aplaque esta minha sensação de que não sou ninguém, prometendo para si mesmo que jamais novamente ou alguma vez em toda sua vida se sentirá tão sozinho quanto estou agora.


Desculpe-me, esqueci de me apresentar: sou este mesmo que sentou, escreveu e divulgará este texto. Mas com uma diferença: sou ele daqui a algum tempo, num futuro cuja proximidade, porque ninguém está preparado para saber, não nos é permitido informar.

quarta-feira, março 04, 2009

O Astrônomo

No observatório, tão antigo e obscurecido pelo imponente planetário da cidade que o último visitante já nem se lembra de que ali esteve, o velho astrônomo transforma-se no próprio olhar e passeia pelo universo. Íntimo do céu e das constelações, habituado à escuridão salpicada de faíscas, dependente daquele silêncio infinito como a sua barba branca, o cientista, em vez da velha cadeira (aquela ali, ressonando no canto sem ângulos da circular construção) passa seus dias, cada um mais derradeiro que outro, apenas confirmando a posição das milhares de estrelas que já conhece de cor, instalado no conforto de sua cama.

Ele não nos revela, até porque nem sabe que neste momento, em vez de observador, ele é o observado, mas tem uma grande frustração: apesar de receber diversas homenagens, todas merecidíssimas, pelos serviços prestados à ciência, especialmente por transformar jovens talentos em gênios da astronomia, jamais em toda sua vasta trajetória descobriu um astro, um planetóide, um simples satélite sequer. Até agora. Porque, não conte a ninguém para não estragar a surpresa, em questão de segundos ele largará o copo d´água (que, por sorte, já estará vazio e ainda pousará suavemente no travesseiro), deixará cair uma lágrima (a primeira em muitos anos, desde que se tornou viúvo) e ligará para seus colegas: Descobri uma estrela!

Acabou de acontecer, repare. Como eu disse, o copo acaba de cair (e, da mesma forma, seu queixo).

Menos de uma hora se passou entre o parágrafo de cima e este e, veja, o local já está lotado. Imprensa, alunos, colegas e toda a comunidade científica se aperta dentro deste pequeno observatório, felizes com a alegria do velho mestre (só não dão graças a Deus porque são cientistas demais para isso) e querendo todos ao mesmo tempo olhar pelo telescópio para admirar a pequena descoberta tão emocionadamente anunciada pelo ancião.

Mais eis que o primeiro a encaixar o olho no telescópio não consegue manter o sorriso no rosto, pede desculpas, diz que precisa trocar os óculos e repassa o lugar a outro, alegando que não consegue encontrar aquilo que foi buscar. Com o segundo da fila acontece o mesmo e assim por diante, cada um trazendo um problema que vai desde o aumento súbito do grau da miopia até uma nuvem sorrateira que surge no exato momento em que tentam observar. O último dos presentes a procurar a estrela é exatamente nosso protagonista, o velho cientista, que só não deixa cair um copo porque, nervoso com o que está acontecendo, desta vez nem consegue lembrar-se de tem a boca seca: não há estrela alguma ali.

Já se passou algum tempo desde que o observatório voltou a ficar vazio e o velho astrônomo dorme profundamente. Talvez este seja o seu sono derradeiro. Ou talvez não, porque não vale a pena tornar ainda mais trágica uma história que começa tão promissora e termina tão triste. Mas uma coisa é fato, apesar de nenhum daqueles que observou o céu esta noite ter percebido, e nem os que observarão a partir de amanhã conseguirão reparar: ali, com o tamanho e no lugar exato onde deveria estar a estrela tão aguardada, aquele pontinho de céu ficou definitivamente mais escuro.