sábado, julho 17, 2010

Tribunal

Talvez se não fosse gosto pudesse eu confundir a data ou desconhecer a artimanha do falsificador pra burlar um paladar desavisado, que não o meu. Mas fui acostumado ao milímetro de diferença entre dois amargos – inclusive os da vida -, ao acre que o açúcar ingênuo tenta enxotar, à cica que se descobre em meio ao caos de um cascabulho. Por isso, boto o pé rente e descruzo os dedos pra afirmar: era novo e dela, aquele sangue, e não era de menstruação. Já estava morta, quando gotejou no asfalto. Não era carro, o que lhe desfigurou a cara. Não era medo, o que lhe esbugalhou os olhos antes de partir lá pra cima – ou pra baixo, não sei de sua vida pregressa. Este sangue, que lambi no dia, me cheirava a desprezo. Repito, então, sem medo o que acabei de afirmar: o culpado é o marido. Este que vocês, neste tribunal comprado, imitando os antepassados, aproveitando-se que a civilização mal acabou de virar a esquina pra chegar, vão soltar alegando defesa de uma honra que, dou meu nariz a tapa, esse cabra nunca teve.