sábado, agosto 28, 2010

Um Gato no Asfalto

Essa massa no chão, essa panqueca de gato
se não fosse gato, ou tivesse um nome de gente
(melhor: se fosse gente (pronto: se fosse gente))
mereceria uma cruz, um choro, um grito
concomitante ao atropelamento, um baque oficial
antes do seu? E mais: se construíssem
uma lápide - ou uma placa naquela rua -
para aquele resto de pessoa
comido vagarosamente por pneus aflitos,
se fizéssemos uma procissão, uma missa de sei lá
quantos dias ou décadas, até quando isso
adiaria o esquecimento completo, a amnésia
do tempo, o anonimato? A história, senil,
se esquece até dos heróis, sejam eles generais
ou artistas, quanto mais de alguém
que nem nome tem, apenas nasce, vive, trabalha,
tem um filho cujo nome esquece, que dele esquece
num quarto de um retiro cujo nome daqui não
se consegue ler. Ou atropelado, sem sapatos,
como um gato se desfazendo no asfalto.