No observatório, tão antigo e obscurecido pelo imponente planetário da cidade que o último visitante já nem se lembra de que ali esteve, o velho astrônomo transforma-se no próprio olhar e passeia pelo universo. Íntimo do céu e das constelações, habituado à escuridão salpicada de faíscas, dependente daquele silêncio infinito como a sua barba branca, o cientista, em vez da velha cadeira (aquela ali, ressonando no canto sem ângulos da circular construção) passa seus dias, cada um mais derradeiro que outro, apenas confirmando a posição das milhares de estrelas que já conhece de cor, instalado no conforto de sua cama.
Ele não nos revela, até porque nem sabe que neste momento, em vez de observador, ele é o observado, mas tem uma grande frustração: apesar de receber diversas homenagens, todas merecidíssimas, pelos serviços prestados à ciência, especialmente por transformar jovens talentos em gênios da astronomia, jamais em toda sua vasta trajetória descobriu um astro, um planetóide, um simples satélite sequer. Até agora. Porque, não conte a ninguém para não estragar a surpresa, em questão de segundos ele largará o copo d´água (que, por sorte, já estará vazio e ainda pousará suavemente no travesseiro), deixará cair uma lágrima (a primeira em muitos anos, desde que se tornou viúvo) e ligará para seus colegas: Descobri uma estrela!
Acabou de acontecer, repare. Como eu disse, o copo acaba de cair (e, da mesma forma, seu queixo).
Menos de uma hora se passou entre o parágrafo de cima e este e, veja, o local já está lotado. Imprensa, alunos, colegas e toda a comunidade científica se aperta dentro deste pequeno observatório, felizes com a alegria do velho mestre (só não dão graças a Deus porque são cientistas demais para isso) e querendo todos ao mesmo tempo olhar pelo telescópio para admirar a pequena descoberta tão emocionadamente anunciada pelo ancião.
Mais eis que o primeiro a encaixar o olho no telescópio não consegue manter o sorriso no rosto, pede desculpas, diz que precisa trocar os óculos e repassa o lugar a outro, alegando que não consegue encontrar aquilo que foi buscar. Com o segundo da fila acontece o mesmo e assim por diante, cada um trazendo um problema que vai desde o aumento súbito do grau da miopia até uma nuvem sorrateira que surge no exato momento em que tentam observar. O último dos presentes a procurar a estrela é exatamente nosso protagonista, o velho cientista, que só não deixa cair um copo porque, nervoso com o que está acontecendo, desta vez nem consegue lembrar-se de tem a boca seca: não há estrela alguma ali.
Já se passou algum tempo desde que o observatório voltou a ficar vazio e o velho astrônomo dorme profundamente. Talvez este seja o seu sono derradeiro. Ou talvez não, porque não vale a pena tornar ainda mais trágica uma história que começa tão promissora e termina tão triste. Mas uma coisa é fato, apesar de nenhum daqueles que observou o céu esta noite ter percebido, e nem os que observarão a partir de amanhã conseguirão reparar: ali, com o tamanho e no lugar exato onde deveria estar a estrela tão aguardada, aquele pontinho de céu ficou definitivamente mais escuro.
quarta-feira, março 04, 2009
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2 comentários:
Bom dia...tem vários selinhos pra vc no meu Blog....BjOs
Que lindo seu texto, juro que me emocionei aqui deste lado.
Achei mesmo que seria verdade, ele sim descobriu uma nova estrela.
A medida que o tempo ia passando, começei a achar que a estrela não fosse algo celestial, mas sim, um putro tipo de estrela.
Adoro passar por aqui, ler seus textos e comentar, sinto vc pertinho assim, sinto que a tal da distancia é quase zerada quando leio, comento e me deixo emocionar pelas palavras que brotam de seus dedos com tanta facilidade.
Bjos e até o próximo texto.
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