Pouco antes de ocorrer ao co-autor deste texto (sempre existe algo, em qualquer texto que daqui ditamos, que também pertence a quem apenas transcreve) a ideia de escrever uma história em que participasse apenas como servo, obediente ao criador original desta que seria narrada por algo ou alguém (um espírito, uma consciência, uma coisa que não se saberia bem definir: apenas se saberia que não era a narração em primeira pessoa daquele que apenas rabiscava), decidi que já seria hora de revelar o que aconteceu comigo neste lugar que você, leitor, não vê, mas de certa forma, sem compreender bem por qual motivo, receia que exista.
A verdade é que, ao contrário do que se imagina (que estar em todos os lugares, escutar todas as histórias ou viajar pelas mais diversas datas relembrando os costumes de todas as eras, que estas possibilidades seriam fascinantes e uma grande conquista para os que pudessem realizá-las), esta onisciência é extremamente enfadonha.
Para começar: não há assunto entre nós quando deixamos de ser o que vocês são: se tudo que queremos saber (e quanto mais o tempo passa, menos coisas nos interessam) pode ser conferido sem a informação do outro e se nada do que sabemos precisa ser repassado a ninguém, nenhum vínculo de amizade ou afeto é criado aqui.
O sexo, não é necessário dizer, tão divertido para vocês que possuem um corpo físico, perde completamente o encanto quando se é isto que agora somos, isto que, se eu tentasse explicar, por mais que esta narrativa se alongasse, tornando-se detalhada e prolixa, não seria seria compreendido por você que ainda está preso à carne.
E antes que se amplie a ansiedade que normalmente se instaura sobre os que, presos ao risível enigma do tempo, estes que ainda não descobriram o quão ínfimo é o tal do infinito nem caíram nas garras desta prisão que me encontro, revelarei imediatamente o motivo desta minha indiscreta chegada.
A verdade é que estou cansado e não quero mais sua atenção apenas quando emito um barulho de prato quebrando, retiro a tomada da geladeira, risco do mapa uma caneta em pleno uso, sopro uma palavra inaudível em seu ouvido ou me solidifico por uma pálida fração de segundo. Quero sua atenção imediata e constante. Quero ser tratado como um ente querido. Não aquele que se foi e não mais está aqui, próximo a você, já que os laços que nos unem, nós a vocês, são bem diferentes daqueles que aproximam uma família. Quero, a partir de já, que você fale com a certeza de que está sendo ouvido, que me peça opinião sabendo que o instinto que lhe indicará o caminho é a minha resposta e que, sobretudo, jamais se sinta sozinho. Porque, era isto que eu precisava e queria falar, a sua solidão é a causadora única da minha. E quando se sente sem ninguém ou espera angustiado uma resposta que não chega ou se desespera com a saudade de quem não voltará, você solidifica a minha desimportância e, assim, deflagra meu próprio abandono ao explicitar que, na minha solitária invisibilidade, não tive a competência de lhe fazer sentir-se amparado.
Por isso este desabafo, adotando respeitosamente o talento deste que faz chegar o texto até você. Não considere isto aqui um simples conto, por favor. Ele é, na verdade, um sinalizador, um rabo abanando, uma lágrima falsamente escondida, um choro agudo que uma cantiga não aplaca, uma queda que não é precedida pelo desequilíbrio, uma urina incontinente numa colorida calça de festa, um cigarro que se acende controlando a tosse para se fazer de adulto, um laço de fita que se adorna para se fantasiar de mais nova, ele é, enfim, uma forma de implorar que daqui a algumas linhas, logo ali na conclusão, você aplaque esta minha sensação de que não sou ninguém, prometendo para si mesmo que jamais novamente ou alguma vez em toda sua vida se sentirá tão sozinho quanto estou agora.
Desculpe-me, esqueci de me apresentar: sou este mesmo que sentou, escreveu e divulgará este texto. Mas com uma diferença: sou ele daqui a algum tempo, num futuro cuja proximidade, porque ninguém está preparado para saber, não nos é permitido informar.
3 comentários:
Lí.
Relí.
E lí uma terceira vez até resolver parar de ler e tentar explicar as sensações que me causou.
Na primeira vez: pensei em pegar o primeiro avião, com destino a felicidade, e a felicidade, naquele momento, seria a sua não invisibilidade diante dos fatos. Percebi que não se tratava disso.
Na segunda vez: a vontade de pegar o telefone, te ligar e dizer para ficar calmo, que eu estava aqui e que sua tristeza é a minha se disfez no instânte em que a palavra informar surgiu pela segunda fez, e me vez parar, pensar e ler. De novo, de forma nova.
Na terceira: conclui que não se trata de você, realmente não se trata, nem da sua ância de ser querido, amado, visto... trata-se sim da sua incerteza sobre as coisas. Um medo meio que repentido do incerto, do desconhecido, do escuro.
Assim com pensei nas duas primeiras vezes que li, concluo o meu comentário da seguinte forma: pegaria sim o primeiro avião, ligaria sim e pediria para que tivesse calma, isso, se eu não me sentisse como "o autor".
A resposta completa vc vê em Estórias Medíocres.
Belíssimo texto.
necessario verificar:)
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